Diferenças entre os requerimentos Regulatórios de Farmacovigilância na América Latina

A Farmacovigilância é definida, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), como “ciência e atividades relativas à identificação, avaliação, compreensão e prevenção de efeitos adversos ou quaisquer problemas relacionados ao uso de medicamentos”.

 

A OMS possui um fórum aos países membros para estes se associarem ao Programa para Monitoramento Internacional de Medicamentos, de forma a que estes países colaborem no monitoramento da segurança e, principalmente, na identificação e análise de novos sinais de segurança. Tendo em conta a sensibilidade inerente à coleção de sinais de segurança, existem certos requisitos que todos os países têm de cumprir para estarem integrados neste programa e, ainda, possuir uma estrutura administrativa para as suas atividades de Farmacovigilância. Um dos requisitos é a criação de um Centro Nacional de Monitoramento de Medicamentos, designado e reconhecido pelo Ministério da Saúde.

 

Posto isto, cada país tem de desenvolver o seu próprio sistema de Farmacovigilância baseado na diferença de fabrico, práticas locais e genética, sendo que todas estas questões podem levar uma variabilidade no que concerne a utilização dos medicamentos e o perfil de efeitos adversos. Na América Latina é de notar a existência de um nível médio a alto de padrões de Farmacovigilância, relativamente aos padrões internacionais reconhecidos como alta vigilância.

 

Estas diferenças na organização e nos níveis de desenvolvimento dos demais países, implicam, necessariamente, que uma abordagem única não é adequada para todos os países, porém a compartilha das melhores práticas, entre regiões, é uma mais-valia. Neste sentido, em 1990, foi criado o Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos para Produtos Farmacêuticos de Uso Humano (International Conference on Harmonization – ICH). A missão da ICH é alcançar a maior harmonização, em todo o mundo, de modo a garantir a existência de medicamentos seguros, eficazes e de alta qualidade, e que estes sejam desenvolvimentos e registrados da maneira mais eficiente em termos de recursos. Para aplicação desta missão, foram desenvolvidas guidelines ICH, através de um processo de consenso científico formado por especialistas em regulamentação e indústria, de todo o mundo.

 

Foi realizada um estudo em formato comparativo de forma a analisar as legislações governamentais que regulam as atividades das empresas detentoras de registros nos países da América Latina (LATAM), e comparar com as diretrizes propostas pelas ICH. Os países incluídos nestes estudo foram Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Republica Dominica, Equador, El Salvador, Guatemala, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.

 

1.     Relatório Periódico de Farmacovigilância:

É obrigatória a realização deste relatório, segundo a ICH, para todos os produtos registrados ou comercializados, porém, 7 dos 18 países analisados, apenas exigem a existência do mesmo para os produtos comercializados, outros 5 exigem que também seja realizado para todos os produtos registrados, e os restantes 6 países não especificam.

O relatório de segurança é uma das ferramentas que facilita a comunicação entre as empresas detentoras de registro de medicamentos e as agências reguladoras, para além de que estes estudos sugerem uma ferramenta que contribui para 38% das ações regulatórias pós-AIM (Autorização de Introdução no Mercado) e ainda, com 64% de novas reações adversas aos medicamentos (RAM).

Embora a importância na monitorização contínua da segurança dos medicamentos, foram identificadas grandes diferenças nos relatórios submetidos às agências regulatórias, nestes 18 países da LATAM, em tópicos tais como definição de produtos que esses relatórios têm de conter, idioma, periodicidade e data de início da monitorização, formato do relatório, prazo de submissão. Estas diferenças levam ao aumento da dificuldade do trabalho conjunto entre as diversas agências.

 

2.     Relatório Individual

·      As ICH sugerem a adoção do formato CIOMS-I, sendo que apenas 16% dos países utilizam este formato, e os restantes utilizam formulários locais.

·      Dos 18 países, apenas 5 possuem de um serviço de notificação via online, a maioria dos restantes pede via e-mail ou telefone e apenas 2 países dispões em do sistema E2B. As ICH não especificam o método mais correto de submissão.

·      67% destes países exigem critérios mínimos para o relatório ser considerado válido. Os critérios que estão nas ICH são: doente, produto suspeito, evento adverso e notificador.

·      22% dos países mencionam as pessoas que poderão ser notificadores, mas as ICH não especificam neste ponto.

·      7 dos 18 países especificam na sua legislação o tipo de casos que poderão ser notificados como sendo reações adversas.

·      5 dos 18 países especificam que a notificação tem de ser feita até 24 horas após a ocorrência da reação adversa, 4 em 72 horas e apenas 1 em 28 horas, isto relativamente a reações adversas graves. As ICH sugerem que as reações adversas e inesperadas devem ser notificadas até um prazo máximo de 15 dias no calendário.

·      Nenhum dos países especifica na sua legislação a necessidade de notificação de casos estrangeiros.

 

3.     Responsável de Farmacovigilância

O responsável de Farmacovigilância é o profissional designado oficialmente pelo detentor de AIM, que está responsável pela segurança dos produtos farmacêuticos para uso humano, comercializados pela empresa no seu país. É necessário que este responsável tenha qualificação para o cargo e que ainda seja submetido a formação para esta posição especificamente.

83% dos países em estudo referem a obrigatoriedade da existência de um responsável de Farmacovigilância nas empresas detentoras de AIM, porém apenas 33% especificam que este tem de ser um profissional de Saúde.

4.     Busca em Literatura Científica

A literatura médica científica é reconhecida como uma valiosa fonte de informação para a monitorização da segurança e da relação benefício-risco dos medicamentos, fundamentalmente em relação à deteção de sinais de segurança ou na identificação de questões de segurança emergentes. Por este facto, é necessária, pelo menos uma vez por semana, que os responsáveis de Farmacovigilância procedam à revisão de literatura de base de dados amplamente utilizados, e para a execução deste processo, os detentores de AIM deverão ter estabelecido um procedimento operacional padrão para monitorizar estas publicações científicas e médicas em revistas locais e nos países onde os seus medicamentos são comercializados. Dos casos identificados, será necessário estabelecer uma relação causal com os medicamentos, e os casos individuais válidos deverão ser submetidos de acordo com os prazos e metodologias específicos do país, de acordo com a sua legislação.

40% dos países em estudo exigem esta busca na literatura científicas, mas nenhuma das legislações menciona parâmetros, periodicidade, estratégica, seleção e restrição de termos nesta pesquisa na literatura científica, documentação necessária para este procedimento, descrição de padrões, como por exemplo a data de conhecimento da informação, análise da duplicidade e processo de submissão do relato de literatura à Agência Regulatória.

 

5.     Autoinspeção

A autoinspeção tem como objetivo avaliar a conformidade do fabricante com as Boas Práticas de Fabrico (BPF) em todos os aspetos de produção e de controlo de qualidade. Este procedimento, além de ter como objetivo detetar quaisquer deficiências na implementação das BPF também tem como objetivo recomendar ações corretivas das mesmas, e, portanto, estas deverão ser realizadas periodicamente ou em situações de cariz especial.

Dos países em análises, apenas 33% menciona na sua legislação a obrigatoriedade de execução destas autoinspeções.

 

6.     Deteções de sinal

Um sinal é definido como uma hipótese de um risco com um medicamento com dados e argumentos que o suportam, derivados de dados ou de uma ou mais fontes possíveis. A evidência de um sinal não é considerada conclusiva, pois pode variar ao longo do tempo à medida que mais evidências se acumulam, porém, os sinais poderão oferecer informações adicionais ou novas sobre os efeitos adversos ou benéficos de uma intervenção, ou ainda informações acerca da causalidade entre um medicamento e uma reação adversa identificada.

Apesar de 72% dos países estudados requererem a implementação do processo de deteção de sinal, muitos destes países LATAM não têm este processo efetivamente implementado.

 

7.     Plano de Gestão de Riscos (PGR)

Em 2005, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) introduziu o PGR como instrumento de planeamento de atividades de Farmacovigilância e de minimização de riscos para os novos medicamentos, o que permitiu a adoção de uma abordagem mais proactiva no que concerne o conhecimento sobre questões de segurança dos medicamentos. O PGR é definido como o plano que identifica os riscos associados a um medicamento e os métodos para esclarecer o perfil de segurança, e ainda as ferramentas concebidas para minimizar o risco para os doentes individuais aquando da prática clínica.

78% dos países neste estudo requerem a apresentação de um PGR e apenas 6 dos 18 países requerem um formato específico local em Espanhol, não estando em harmonização com os formatos das outras Agências LATAM e Europeias, sendo que esta falta de harmonização dificulta a avaliação dos dados apresentados e analisados em conjunto pelas Agências Reguladoras.

 

A título de conclusão, é de ressalvar que a evolução dos sistemas de Farmacovigilância é de extrema importância para garantir a proteção e segurança dos doentes, e para se obter sistemas mais efetivos é importante a partilha de informação acerca da segurança dos medicamentos entre as diversas autoridades reguladoras e ainda fomentar a necessidade perante estas de desenvolver e manter as estruturas dos seus sistemas intercambiáveis, adotando padrões internacionalmente aceites.

No que concerne as entidades regulatórias dos países LATAM, é de notar a adoção cada vez mais desta mentalidade, com o aumento do conhecimento da necessidade de ter um sistema de Farmacovigilância forte para assegurar a segurança dos doentes.

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