Acredito que os valores de resiliência, criatividade, inovação e senso de urgência estão cravados no código genético português há séculos e de lá não vão sair tão facilmente
Por Diogo Sousa-Martins, CEO ELS Solutions
Estava a jantar na semana passada com um casal estrangeiro simpático que jovialmente se referia aos portugueses como “cinzentões”, possivelmente amparados na aparente insatisfação dos mesmos aos desafios que a conjuntura atual impõe à maioria das famílias. Fiquei a pensar nisto.
Num país imerso num contexto de contração económica e desigualdade social há tanto tempo, é entendível a dificuldade em convocar um estado mental que abraça o positivismo, o qual difere do otimismo por não ser uma emoção contemplativa. O paradoxo, é que, uma vez robustamente inculcado na nossa teia de valores, pode ser exatamente este estado mental que não só permite ultrapassar períodos conturbados mais rápido e com melhores resultados, mas sobretudo, que use este contexto externo desfavorável como ferramenta que permita vislumbrar fragilidades e erros continuados passados, de forma a definitivamente mudar para melhor. Muito melhor.
Mas porque não fazemos todos isto? Apenas porque os portugueses são pessimistas e cinzentões? Com certeza que não. Vamos a tempo de mudar? Sem dúvida que sim.
A ciência tem consistentemente apresentado provas de que o desempenho pessoal e profissional melhora significativamente em pessoas autoconfiantes, positivas e otimistas. Pelo contrário, artigos científicos têm igualmente demonstrado que esta melhoria de desempenho apenas se manifesta quando esta atitude positivista é aplicada de forma continuada em todas as situações.
O advento da ressonância magnética funcional veio revolucionar o conhecimento de como o cérebro trabalha. Agora, consegue-se isolar as diferentes áreas do cérebro envolvidas na produção de sentimentos e pensamentos, sobretudo, das áreas que ativam os mecanismos de defesa, ligados com o instinto de sobrevivência (crucial na infância e quasi-prejudicial na idade adulta), bem como os de sensatez e racionalidade. Enquanto que os primeiros são mecanismos de alerta, que incorporam sentimentos indesejáveis como a excessiva necessidade de aceitação, perfecionismo ou julgamento negativo, os últimos são mecanismos de análise construtiva, inovadora e estratégica. A perspetiva destes últimos é que qualquer desafio é uma dádiva ou pode ser tornada numa oportunidade. Esta forma construtiva de reação, focada e sábia – positivista – é ativada, entre outros, pelo lado direito do cérebro e pelo córtex médio pré-frontal. A partir da análise da força e prevalência de cada um destes mecanismos codificados na forma com que cada indivíduo reage a determinadas situações, é possível identificar uma correlação fortíssima entre o atingimento de padrões de sucesso (seja este profissional, pessoal ou mesmo felicidade) e um maior uso dos mecanismos de sensatez e positividade descritos. Quer se acredite ou não, o correto diagnóstico (e enfraquecimento) dos sistemas de defesa e o fortalecimento deliberado do positivismo a nível cerebral (sim, pode exercitar-se), tem correlação direta com os níveis de felicidade e de desempenho pessoal e profissional acima-da-média. Diversos estudos científicos credíveis e rigorosos comprovam este fato.
Não acredito que os portugueses sejam “cinzentões” ou que vivamos numa sociedade deprimida pela conjuntura económico-social por puro negativismo. Acredito que os valores de resiliência, criatividade, inovação e senso de urgência estão cravados no código genético português há séculos e de lá não vão sair tão facilmente. A expressão dos mesmos sob a forma de atitudes é que pode variar conforme os estímulos externos e, de fato, nem sempre reconhecemos ou valorizamos o poder fabuloso (e insisto, comprovado cientificamente) do positivismo.
Mas a culpa não é só do “cinzentismo” português, famoso epíteto (este sim, não científico), que, aliás, não é exclusivo nosso mas ubiquitário a toda a civilização ocidental, cujo sistema de educação não só encoraja, expõe e treina especificamente o lado esquerdo do cérebro, como discrimina ou ignora o uso do contralateral, castrando epifanias. A maior parte dos GMATs, provas de aferição ou exames que fazemos na nossa vida premeiam respostas exercitadas pelo lado esquerdo. Afinal de contas, quem não gosta do conforto dos fatos, do calor da lógica e da segurança dos detalhes? Mas são as epifanias, geradas maioritariamente pelo lado direito, tipicamente em momentos de relaxamento, que permitem visualizar as respostas que resolvem grandes problemas, quando finalmente conseguimos calar o lado esquerdo do cérebro.
Enquanto não conseguimos encontrar todas as respostas que procuramos, encarar a realidade que se nos apresenta hoje como uma oportunidade nova que nos levará para um caminho diferente e potencialmente melhor que o primeiro, nutrir confiança no futuro e praticar o positivismo na vida e nas relações, exercitando o lado direito do cérebro, não me parece uma má ideia. Pelo menos para continuar a jantar calmamente com outros “cinzentões”.